Pro dia nascer feliz,
de João Jardim
O documentário Pro
dia nascer feliz, realizado entre 2004 e 2005, é um dos raros filmes que
retratam com delicadeza e sensibilidade a cruel realidade da vida de
adolescentes na escola. João Jardim descreve o cotidiano de jovens em quatro
escolas brasileiras. Em Pernambuco, São Paulo, Duque de Caxias e no Rio de
Janeiro, todas elas são públicas. Há também uma escola em São Paulo,
particular, em um bairro de elite. João Jardim não deixa de mostrar ainda outro
estabelecimento de ensino, não nomeado, mas que o espectador percebe que é uma
instituição para adolescentes em conflito com a lei.O filme começa com dados da
educação da década de 1960 na voz de um locutor, informativo de meados do
século XX, feito para o cinema e que passava antes das sessões. As frases vão
repetindo o bordão que conhecemos tão bem e que ainda hoje se repete, sobre a
precariedade “da educação” no Brasil. Passando pelos anos 1960 o documentarista
mostra os dados de 2000 para constatar a realidade de um sistema que conseguiu
universalizar o acesso e incluiu crianças e jovens antes alijadas do ensino. Em
1960 apenas 30% dos jovens e crianças tinham acesso à escola.Desde o sertão de
Pernambuco, João Jardim entrevista estudantes e professores e descreve os
ambientes e rituais escolares. Ao estilo de François Truffaut, consegue
aproximar meninos e meninas da elite paulista com estudantes das escolas
públicas nas periferias das três grandes cidades brasileiras. O sofrimento, a
solidão e os sonhos de jovens brasileiros são narrados por suas próprias
vozes. O espectador não sai desse filme imune à crueza da vida desses
adolescentes, e dos professores que se dedicam à difícil tarefa de educar 95%
de jovens brasileiros com os meios precários de que dispõem e inseridos na
cultura da repetência, expressão cunhada por Sergio Costa Ribeiro seguindo os
passos de Teixeira de Freitas, que nos anos 1940 descobriu os princípios de
organização da vida escolar brasileira. João Jardim expõe, especialmente, um
dos cerimoniais mais chocantes da escola, o famoso conselho de classe, que
nunca havia sido filmado, e mostra a difícil escolha de Sofia que cabe aos
professores em seu papel de mestres.Tenho discutido o documentário em muitas
escolas do Rio de Janeiro. Essas sessões são riquíssimas porque mostram como os
estudantes se interessam pelo tema, debatendo as questões com seriedade e
expressando ideias de equidade, de justiça e da missão das escolas.No início do
mês de setembro houve mais um desses fabulosos debates em uma escola localizada
em Ramos. Com turmas cheias, as aulas corriam normalmente, ou seja, os
professores em sala escrevendo muito no quadro negro e, os estudantes nem sempre
atentos ao assunto, e muito menos ao professor. Conversavam entre si e
brincavam entre carteiras do início do século XX, de madeira de lei, geminadas
e pesadíssimas, tornando o espaço da sala ainda mais apertado e o tumulto ainda
maior.Na classe em que passamos o filme, um dos alunos ao fazer um belíssimo
resumo do documentário terminou dizendo: “Estudar é horrível. Ninguém gosta
mesmo de estudar. A gente gosta de ver os amigos, de estar com eles na escola,
mas estudar, quem gosta de estudar?”Não tive como discordar. É preciso
tempo e brechas para que os estudantes possam descobrir seus caminhos. Fiquei
impressionada com essa turma que falou pouco, mas resumiu suas angústias com
frases bem construídas. Não houve nenhuma balbúrdia embora o filme tenha sido
visto numa televisão de 20 polegadas e projeção de péssima qualidade. Mesmo
assim, os olhos dos alunos brilhavam.O que mais me impressionou nesse debate
foi a sinceridade das falas. Todos reforçaram que, apesar de não gostarem de
estudar, estavam ali para ter uma vida melhor do que a de seus pais. Todos
disseram que, ao contrário dos meninos e meninas da elite vistos no filme, não
tinham herança nem gostariam de seguir a profissão de seus pais. A maioria dos
meninos queria jogar futebol e alguns já estavam na escolinha do clube de
Bonsucesso. Pensavam alto. Um deles disse que seu sonho era ser goleiro da
seleção brasileira.O debate ficou mais intenso quando dois assuntos foram
abordados. A falta dos professores e a aprovação automática. Naquela escola e em
muitas outras, como nas descritas no filme, muitos professores faltam e as
aulas terminam mais cedo. A maioria dos alunos acha um absurdo a escola não
substituir os professores faltosos, e mais ainda a aprovação automática, que
lhes parece uma dupla injustiça: Se não é necessária a reprovação porque
precisam ir à escola onde pouco aprendem? E os que se esforçam são aprovados
junto aos que não se esforçam? Quem não estuda deve ser reprovado, segundo
disseram. Alguns, porém, apoiam essas duas práticas – faltas de professores e
aprovação automática – quase estruturais na maioria das escolas públicas
brasileiras. Para revolta da maioria, afirmam seriamente que é bom não ter aula
e sair mais cedo e que o injusto é a reprovação que os obrigava a fazer tudo de
novo.O filme termina com a câmera quase parada retratando os rostos dos
entrevistados. Quando indaguei por que o final do filme tinha sido feito dessa
maneira, a maioria disse que era para mostrar que havia diferenças entre os
estudantes, mas que eles não eram diferentes. Ricos e pobres, meninos e
meninas, brancos e negros e de outras muitas cores, tímidos e agressivos, altos
e baixos, todos devem ser tratados como iguais.
Uma verdade que inconveniente
A ocorrência de fenômenos naturais extremos vem nos dando sinais de que
algo incomum está acontecendo na natureza. Estamos vivenciando uma época de
intensas ondas de calor em todo o mundo, de tempestades, secas e furacões cada
vez mais severos, assim como o aumento de epidemias e a extinção de inúmeras
espécies. Esses fenômenos têm sido apontados como consequência da mudança do
clima na terra.
No filme “Uma Verdade Inconveniente: o que devemos fazer (e saber) sobre
o aquecimento global” dirigido por Davis Guggenheim e apresentado pelo
ambientalista e Ex- vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore, o aquecimento
global e suas consequências são retratados de forma realista. De caráter
informativo e ao mesmo tempo impactante, o filme é exibido em forma de um
documentário, elaborado a partir das palestras proferidas por Al Gore o redor
do mundo.
Lançando mão de uma eloquente retórica e de excelentes recursos
audiovisuais que exibem dados científicos e imagens de fenômenos naturais
recentes, Al Gore argumenta de forma convincente que a temperatura da terra
está aumentando e que a principal causa desse aquecimento são as ações do
homem. A veracidade com que o tema é tratado é capaz de remover qualquer dúvida
de que as atividades humanas exercem influências na mudança do clima. Além de
nos deixar alarmados com os consequentes desastres ambientais a que estamos
sujeitos, ou melhor, que já estamos vivenciando.
O aquecimento global é causado pela intensificação do efeito estufa que,
por sua vez, é consequência do excesso da concentração de determinados gases na
atmosfera, os chamados gases de efeito estufa, dentre eles o dióxido de
carbono, o metano e o óxido nitroso. A principal fonte desses gases tem sido
atribuída particularmente à queima de combustíveis fósseis e ao desmatamento.
Embora pesquisas científicas demonstrem claramente a correlação entre o aumento
da concentração de dióxido de carbono na atmosfera e da temperatura, embora
existam várias simulações do comportamento do clima através de modelagens
computacionais, embora a ocorrência de eventos climáticos extremos esteja se
intensificando, há ainda aqueles que questionam a veracidade de que o clima na
terra está mudando e ignoram seus efeitos.
Informações publicadas no meio científico, e enfatizadas por Al Gore, são
constantemente julgadas quanto à sua consistência. Mesmo havendo um sólido
consenso científico, afirmando a correlação entre o aumento da temperatura e a
concentração de dióxido de carbono, muitos ainda resistem em acreditar que o
homem seja o principal culpado.
Os chamados “céticos do aquecimento global” defendem a teoria de que a
terra está se aquecendo devido a causas naturais. Eles afirmam que mudanças
climáticas periódicas ocorrem desde a origem da terra, com ou sem a
interferência do homem como, por exemplo, as “Eras Glaciais”. E ainda, que o
que estamos presenciando hoje são apenas flutuações cíclicas da natureza.
Sabemos que eventos desse tipo já aconteceram em épocas passadas, mas vale
ressaltar que tais mudanças ocorreram com variações naturais nos níveis de
dióxido de carbono bem menores do que as que presenciamos hoje.
É sabido também que, além do efeito estufa, outros fatores internos ao
sistema Sol- Terra-Atmosfera afetam o clima, tais como, variação de albedo
planetário, porcentagem da radiação solar incidente e concentração de
aerossóis. Entretanto, tais fatores não bastam para explicar tanto aquecimento
em tão pouco tempo.
O fato é que existe um conflito de informações, as quais devem ser
tratadas de forma cautelosa. De um lado estão aqueles que afirmam que a ciência
é imprecisa, que os dados são incoerentes e que ainda existem dúvidas quanto à
verdadeira causa dos fenômenos ocorridos. De outro, aqueles para os quais o
aquecimento global já é uma realidade. A verdade é que está cada vez mais
evidente que há algo de errado acontecendo em nosso planeta: fenômenos que
antes ocorriam ao longo de eras geológicas agora se sucedem no decorrer de uma
geração.
A hipótese de que o aquecimento da Terra é fruto da ação humana foi
confirmada, com mais de 90% de probabilidade, com a divulgação recente de uma
parte do Quarto Relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas
(IPCC). No relatório anterior, publicado em 2001, essa probabilidade havia sido
estimada em 60%. Os cientistas ressaltam que até o final deste século a
temperatura na Terra vai aumentar em torno de 3 a 5ºC, caso não ocorra uma
redução imediata da emissão de poluentes. E ainda, que o aquecimento global vai
causar derretimento de geleiras e o consequente aumento do nível do mar,
gerando tufões e furacões menos frequentes, porém mais intensos.
No filme “Uma Verdade Inconveniente” Al Gore chama a atenção para os
diversos fenômenos catastróficos já ocorridos em todo o mundo, como o furacão
Katrina nos Estados Unidos, as intensas ondas de calor na Europa, as inundações
na China e o derretimento das geleiras do Monte Kilimanjaro. Ele ressalta que
esses fenômenos serão cada vez mais frequentes e violentos. Cita também que
sempre foi considerada impossível a formação de furacões no Atlântico Sul, mas,
em 2004, o Brasil foi atingido pelo furacão Catarina. Entretanto, a intenção
principal do filme não é ser alarmista, não é deixar as pessoas apavoradas com
o que possa acontecer, e sim informar, esclarecer a realidade e,
principalmente, mostrar que algo tem que ser feito.
Intercalado a uma exposição didática da problemática ambiental, o filme
apresenta histórias da vida pessoal do protagonista, como o acidente que quase
matou seu filho, a morte de sua irmã, as aulas de um professor na universidade
e a sua derrota nas eleições presidenciais dos Estados Unidos. Isso “quebra” um
pouco o cenário científico do documentário e revela claramente o interesse do
ex-candidato à presidência dos Estados Unidos em reerguer-se no cenário
político.
Al Gore diz ter tornado a questão “mudanças climáticas” prioridade número
1 de sua vida profissional. É inegável o entusiasmo com que ele aborda o
assunto e demonstra sua paixão pela luta ecológica. Mas, inegável também é a
tentativa de promoção política explícita nas entrelinhas do filme. O
“quase-presidente” dos Estados Unidos realça sua imagem pública quando aborda a
politização do aquecimento global. Além disso, ele ressalta a enorme culpa de
seu país neste processo, lembrando que os Estados Unidos, país que mais polui -
responsável por aproximadamente ¼ das emissões de gás carbônico - foram um dos
dois únicos países a não ratificar o Protocolo de Quioto, juntamente com a
Austrália. Desse modo, faz c críticas à posição do seu último oponente
eleitoral, o presidente George W. Bush, em relação à não-adoção de políticas em
prol da minimização do aquecimento global.
Independentemente de quem seja o protagonista deste assunto, seja ele
cidadão norte-americano ou não, contra ou a favor do governo Bush, temos que
admitir que é impossível falar de “aquecimento global” sem considerar os
Estados Unidos o maior vilão da história.
Embora Bush admita que o mundo esteja ficando mais quente, ele ainda
insiste em afirmar que não existem provas conclusivas de que o aquecimento
global seja causado por atividades humanas, resistindo, desta forma, em adotar
medidas de redução de emissões de poluentes. O motivo da não-ratificação do
Protocolo de Quioto pelos Estados Unidos não é segredo para ninguém. Para o
país com a maior economia mundial, reduzir emissões de poluentes significa
mudança nos padrões de produção, no modo de vida dos norte-americanos e,
indiretamente, prejuízos à economia. Talvez seja mais conveniente ignorar a
verdade, mesmo sabendo que suas consequências são inconvenientes. Entretanto,
mesmo sem o apoio do governo, os norte-americanos vêm se demonstrando preocupados
com essa questão. Várias cidades já adotaram medidas por conta própria,
implementando políticas em prol da redução de poluentes causadores do
aquecimento global.
“Uma Verdade Inconveniente” desperta o público para as reais consequências
do aquecimento global, mostra que nenhuma forma de vida a habitar o planeta
Terra foi tão agressiva quanto a raça humana. Ao mesmo tempo, mostra que
existem soluções viáveis para que, pelo menos, tentemos minimizar seus
impactos. Várias dessas soluções dependem de políticas governamentais, mas a
maioria delas terá que partir de cada um de nós.
“Cada um de nós é uma causa de aquecimento global; mas cada um de nós
pode se tornar parte da solução - em nossas decisões sobre o produto que
compramos, a eletricidade que usamos, o carro que dirigimos, o nosso estilo de
vida. Podemos até fazer opções que reduzam a zero as nossas emissões de
carbono.” Al Gore
Independentemente das razões que levaram Al Gore a abraçar esta causa,
realizar conferências, escrever livros e produzir o filme, a adoção de ações
que minimizem os efeitos das mudanças do clima são necessárias e urgentes.
Temos que nos conscientizar que somos os culpados da crise climática do nosso
planeta e cabe a nós fazermos algo para revertê-la.
Documentário Encontro com Milton Santos
No filme “Encontro com Milton Santos – O mundo
global visto do lado de cá”, é feito um recorte singular sobre a globalização,
a sociedade de consumo, as divisões que esta sociedade se encontra, o
território, os efeitos famigerados da globalização, as crises que esta promove,
as barreiras físicas e simbólicas postas pelo capitalismo como efeito da
globalização, o papel da mídia e as revanches organizadas por suas maiores
vítimas.
A crise se estabelece e Milton Santos faz este
alerta quando afirma que: “O consumo é o grande fundamentalismo”. E é sagaz
quando apresenta as três vertentes da globalização no mundo; a globalização como
é posta, a globalização da perversidade e o mundo por uma outra globalização.
No decorrer do documentário é apresentada uma
série de acontecimentos no mundo inteiro que focam a atenção nas causas que
esta sociedade capitalista centraliza, a fim de obter benefícios próprios em
detrimento da desorganização do território, da apropriação de bens comuns e do
uso privado de riquezas mundiais por parte de uma minoria. Apropriações
indevidas que geraram tensões por tentar deter grandes bens nas mãos de pequenos
grupos, enquanto se assolava o estado de miséria e a sociedade crônica para
todo o resto.
A tentativa de privatização da água potável em
Cochabamba, Bolívia em 2000 e o 3º Fórum Mundial da Água em Kioto, Japão em
2003, foram eventos que chamaram a atenção do mundo para os efeitos da
famigerada globalização frente à sociedade capitalista na qual vivemos.
Em meio à crise financeira , ao estado de caos
que se encontra, tem-se o crescimento crônico do desemprego, a fome e o
desabrigo que cada vez mais se alastra. Os baixos salários, o estado de
mendicância e miséria em que as pessoas são postas, crescem diretamente
proporcional ao que chamamos do segundo efeito da globalização, ou globalização
da perversidade, em que a pobreza é vista com naturalidade.
Enquanto isto, a sociedade se divide em dois
grandes grupos; “o grupo dos que não comem e o grupo dos que não dormem com
receio do grupo dos que não comem.” (José de Castro). E Milton Santos ainda
afirma que “produzimos mais comida do que consumimos”. E esta sociedade
subdividida permanece criando barreiras de segregação. Sejam estas barreiras
físicas – Muralha da China e Muro de Berlim – ou barreiras simbólicas – que é a
que a Europa mantém contra os estrangeiros e clandestinos, a fronteira entre o
México e o EEUU, onde a migração não é desejada.
Adiante os acontecimentos tem a mídia como a
fábula da globalização, que assume o papel de intermediação diante desta, pois
controla a interpretação do que acontece no mundo, em que não há produção
excessiva de notícias, e sim de ruídos.
Contudo, a revanche é feita. Os grupos que são
massacrados e postos à margem deste processo atroz de desenvolvimento global
ganham força com seus movimentos e buscam reverter a ordem de tudo que está
posto. A África e a América Latina são os gigantes despertando para os
problemas que lhe são causados, e que não se promovem por quem lá habita e sim
pelos grandes “olheiros” e investidores de mercado que ambicionam ganhar espaço
para depois explorá-lo. E não há melhor modo de fazer isto, senão criando
confrontos entre os grupos para adquirirem espaços de dominação.
Com o despertar destes grandes pólos de
desenvolvimento, os espaços cada vez mais são tomados e causam incômodo. Daí
tem os olhares do norte x os olhares do sul, que propicia a observação da
diferenças de pólos econômicos em blocos capitalistas distintos; os que
produzem e os que consomem. Numa fala mais íntima do que possa representar os
grupos que tem e os grupos que não tem moeda de consumo numa sociedade que
impera a globalização da perversidade.
E Milton Santos afirma que: “Não há cidadania no
Brasil. A classe média não requer direitos, e sim privilégios.” O estado de
cidadania nos é roubado pelo jogo de interesse no qual esta classe promove. Mas
Milton Santos é perspicaz ao frisar que estas ações não são promovidas de modo
estanque pelo Estado, e afirma que: “As fontes criadoras de diferenças e
desigualdades são mais fortes que as ações do Estado. Para isto, é necessário
um Estado socializante.”
Diante deste Estado socializante a ser
construído há também uma sociedade e Milton Santos é muito feliz quando diz que
esta sociedade na qual vivemos ainda é um ensaio; ela nunca existe.
O
Atlântico Negro: nas rotas dos Orixás
O Atlântico Negro: nas rotas dos Orixás, é um filme
que retrata a importância do continente Africano na construção da sociedade
brasileira. Esta estruturação cultural mostra a semelhança existente entre
estes povos, dentre estes laços: a religiosidade, a musicalidade, a fala,
hábitos alimentares, a estrutura familiar e as manifestações culturais.
Durante as cenas do filme são
desconstruídas visões etnocêntricas e de censo comum sobre o continente
Africano. A idéia de um território que vive em constante estado de guerras
étnicas e civis, de fome e total miséria é desmistificado para mostrar o lado
cultural da África que deu origem ao candomblé, o Xangô e ao Tangô, religiões
presentes no território brasileiro. Essa representação cinematográfica nos
dimensiona a entender o início da mercantilização africana e de como a
escravidão se tornou uma mera desculpa para a propagação das guerras civis,
iniciando assim um intercâmbio biológico, econômico e cultural entre Brasil e
África.
Nota-se, que ter um outro olhar da África nos ajuda a compreender a
nossa própria história, tanto nos hábitos sociais, quanto nos costumes oriundos
desta terra quase que desconhecida. Tendo a perspectiva que a cultura africana
não é a unicamente baseada na história colonial e no expansionismo europeu, a
África com reinos e império possui suas formas particulares de governar e agir
como povo. A reconstrução da histórica africana nos permite entender como a
escravidão se promulgou pelo espaço geográfico e social do Brasil, dissipando
as misturas biológicas que originou a miscigenação nacional e a diversidade
religiosa presentes nos terreiros de candomblé como o: ilê aié axé opô ofonjá e
casa branca.
Todo o tema abordado no documentário, abre um leque de oportunidades
para entender melhor a África e o Brasil e conhecer também que existe uma troca
cultural entre os dois lugares referidos. Compreendendo que o retorno dos
africanos escravizados para o continente de origem, representou também a ida de
valores culturais, morais e sociais brasileiro como: a construção da igreja e
da festa do Senhor do Bonfim, a construção (mesmo que em pequena escala) da
arquitetura brasileira em solo africano e a vestimenta feminina das mulheres agudas Além de entender que mesmo depois da escravidão, a cultura brasileira
continua sendo preservada por este povo que se denominam brasileiros, mesmo
tendo nascido em solo africano.
Esta perspectiva mostra a construção de nossas raízes, ajudando a fazer
paralelos que melhorem o entendimento dessas aplicações no Brasil. Hoje em
pleno século XXI a forma de vida dos afro-descendentes tornou-se uma luta
política e social que visa a reparação da escravidão que aconteceu no país.
Entretanto, este documentário ressalta a trajetória africana como um continente
repleto de etnias e formas de vidas variadas, desconstruindo a visão
eurocêntrica e religiosa da igreja católica que foi desenvolvida na história ao
longo dos séculos.
O documentário nos apresenta a importância da
cultura africana para a consolidação da cultura brasileira. São perceptíveis as
contribuições dos escravos trazidos da África para a construção da cultura na
sociedade brasileira, visto que na travessia do Atlântico o povo africano trouxe
em seu coração e na lembrança ritmos, costumes, crenças, culinária dentre
outros componentes que favoreceram o processo de enriquecimento e afirmação de
nossa cultura.
Da Matta (1981) coloca que pode
sim existir cultura, mesmo que uma sociedade seja extinta, mas não pode haver
sociedade sem cultura. A cultura está internalizada nos indivíduos. Este
processo aconteceu na chegada dos escravos africanos ao Brasil, mesmo não
trazendo objetos que os aproximassem de suas tradições e costumes; mesmo os
escravizadores acreditando que existia uma árvore que dando voltas em torno
dela apagaria as lembranças de sua antiga sociedade, os escravos traziam
tatuados em sua alma suas tradições, sua cultura, que foi construída,
consolidada e internalizada a partir de um longo processo de civilização. Ao
chegar ao Brasil, o que aconteceu foi uma adaptação e uma miscigenação destas
crenças, costumes à realidade brasileira, visto que existiam aqui
especificidades locais, culturas locais (indígena, européia), e os escravos que
aqui chegavam buscavam manter viva sua cultura no novo cenário que se
apresentava.
Sabemos que ainda hoje existe uma forte resistência
às tradições africanas, consideradas por muitos, atividades demoníacas
pecaminosas, principalmente quando falamos dos cultos e cerimônias religiosas.
A sociedade brasileira infelizmente não amadureceu suficientemente ao ponto de
perceber a riqueza da cultura africana e sua enorme contribuição a nossa
cultura, e quem sem esta, não seria possível existir o ecletismo cultural
vivenciados nos dias atuais
No filme “Encontro com Milton Santos – O mundo global visto do lado de cá”, é feito um recorte singular sobre a globalização, a sociedade de consumo, as divisões que esta sociedade se encontra, o território, os efeitos famigerados da globalização, as crises que esta promove, as barreiras físicas e simbólicas postas pelo capitalismo como efeito da globalização, o papel da mídia e as revanches organizadas por suas maiores vítimas.
A crise se estabelece e Milton Santos faz este alerta quando afirma que: “O consumo é o grande fundamentalismo”. E é sagaz quando apresenta as três vertentes da globalização no mundo; a globalização como é posta, a globalização da perversidade e o mundo por uma outra globalização.
No decorrer do documentário é apresentada uma série de acontecimentos no mundo inteiro que focam a atenção nas causas que esta sociedade capitalista centraliza, a fim de obter benefícios próprios em detrimento da desorganização do território, da apropriação de bens comuns e do uso privado de riquezas mundiais por parte de uma minoria. Apropriações indevidas que geraram tensões por tentar deter grandes bens nas mãos de pequenos grupos, enquanto se assolava o estado de miséria e a sociedade crônica para todo o resto.
Em meio à crise financeira , ao estado de caos que se encontra, tem-se o crescimento crônico do desemprego, a fome e o desabrigo que cada vez mais se alastra. Os baixos salários, o estado de mendicância e miséria em que as pessoas são postas, crescem diretamente proporcional ao que chamamos do segundo efeito da globalização, ou globalização da perversidade, em que a pobreza é vista com naturalidade.
Enquanto isto, a sociedade se divide em dois grandes grupos; “o grupo dos que não comem e o grupo dos que não dormem com receio do grupo dos que não comem.” (José de Castro). E Milton Santos ainda afirma que “produzimos mais comida do que consumimos”. E esta sociedade subdividida permanece criando barreiras de segregação. Sejam estas barreiras físicas – Muralha da China e Muro de Berlim – ou barreiras simbólicas – que é a que a Europa mantém contra os estrangeiros e clandestinos, a fronteira entre o México e o EEUU, onde a migração não é desejada.
Adiante os acontecimentos tem a mídia como a fábula da globalização, que assume o papel de intermediação diante desta, pois controla a interpretação do que acontece no mundo, em que não há produção excessiva de notícias, e sim de ruídos.
Contudo, a revanche é feita. Os grupos que são massacrados e postos à margem deste processo atroz de desenvolvimento global ganham força com seus movimentos e buscam reverter a ordem de tudo que está posto. A África e a América Latina são os gigantes despertando para os problemas que lhe são causados, e que não se promovem por quem lá habita e sim pelos grandes “olheiros” e investidores de mercado que ambicionam ganhar espaço para depois explorá-lo. E não há melhor modo de fazer isto, senão criando confrontos entre os grupos para adquirirem espaços de dominação.
Com o despertar destes grandes pólos de desenvolvimento, os espaços cada vez mais são tomados e causam incômodo. Daí tem os olhares do norte x os olhares do sul, que propicia a observação da diferenças de pólos econômicos em blocos capitalistas distintos; os que produzem e os que consomem. Numa fala mais íntima do que possa representar os grupos que tem e os grupos que não tem moeda de consumo numa sociedade que impera a globalização da perversidade.
E Milton Santos afirma que: “Não há cidadania no Brasil. A classe média não requer direitos, e sim privilégios.” O estado de cidadania nos é roubado pelo jogo de interesse no qual esta classe promove. Mas Milton Santos é perspicaz ao frisar que estas ações não são promovidas de modo estanque pelo Estado, e afirma que: “As fontes criadoras de diferenças e desigualdades são mais fortes que as ações do Estado. Para isto, é necessário um Estado socializante.”
Diante deste Estado socializante a ser construído há também uma sociedade e Milton Santos é muito feliz quando diz que esta sociedade na qual vivemos ainda é um ensaio; ela nunca existe.
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